A prostituição representa uma prática secular e consideravelmente presente no nosso país. Desde sempre foram surgindo múltiplas perspectivas acerca do mundo do trabalho sexual, em grande parte pelas dificuldades existentes e predominantes na compreensão dos motivos que se encontram na origem dessa actividade. Ao longo dos tempos, foi possível verificar nítidas nuances na visão que a nossa sociedade alimenta sobre o mundo da prostituição, acabando por criar entraves mais ou menos acentuados à vida das pessoas envolvidas nessa prática. Em primeiro lugar, salienta-se o controlo exercido pela instituição religiosa pelo facto de essas pessoas serem consideradas destruidoras da fé, em segundo lugar surge a proibição expressa nos códigos civis e, por último, hoje deparamo-nos com um esforço para a legalização dessa actividade.
É interessante verificar a criação e implementação de diferentes modelos de legislação com um posicionamento bem distinto perante a prostituição. Pode-se referir desde já o modelo de regulamentação desenvolvido no século XVIII, modelo o qual visava a distinção nítida entre quem praticava o trabalho sexual e a restante população, passando nomeadamente pela inspecção médica obrigatória das mulheres prostitutas e pelo tratamento compulsivo ou detenção dessas mulheres no caso de doenças. O modelo proibicionista emergiu no século XX, nomedamente em virtude das taxas elevadas de práticas de trabalho sexual clandestinas, sendo que em 1962 a prostituição passa a ser uma prática legalmente proibida. As razões para o estabelecimento de medidas de cariz proibicionista assentam principalmente na transmissão de doenças sexuais devido à prática da prostituição. Do meu ver, a existência dessas doenças apresenta-se como justificação secundária da repressão, na medida em que uma pessoa pode ter vários parceiros sexuais e não contrair nenhuma doença caso recorrer a práticas seguras. Para além disso, o modelo proibicionista não interrompeu as práticas de trabalho sexual e agravou as condições do seu exercício. Assim, a repressão exercida sobre os trabalhadores do sexo parece derivar principalmente de uma necessidade de “eliminar” aquilo que não se compreende e não se tolera, não se tratando de uma preocupação com a saúde individual e pública.
As medidas proibicionistas não são então “bem-vindas” se a finalidade é de controlar as doenças, uma vez que proibir e problematizar não constituem um meio eficaz, sendo preferível optar pela prevenção, parecendo ser nesse sentido que a nossa sociedade deve actuar.
Importa destacar a construção de uma carga simbólica negativa em torno da prostituição, sendo o trabalhador sexual agregado ao grupo definido como “grupos de risco”, ao lado dos homossexuais ou ainda dos consumidores de drogas, enquanto que na minha perspectiva estes constituem “grupos em risco”, uma vez que estão sujeitos a múltiplas vulnerabilidades. O trabalhador sexual tem visto a sua própria identidade social marcada, “manchada” por uma chuva de preconceitos e estereótipos, sendo reduzido à condição de transgressor das normas e regras de ordem social. Não estaria na origem dessa construção social a necessidade de encontrar um culpado para determinados problemas de ordem moral e social, nomeadamente culpar as mulheres da traição dos maridos infiéis que recorrem a esses serviços? De facto, tem-se desenvolvido um estigma relativamente à essa prática e uma discriminação quanto ao trabalhador sexual, o qual era e ainda é responsabilizado pela transmissão de doenças sexuais, pela degradação física e moral dos homens e, consequentemente, pela destruição de lares.
Considero fundamental chamar atenção para a subjectividade que caracteriza a perspectiva da nossa sociedade actual bem das gerações anteriores, as quais focalizam a sua atenção principalmente nas doenças sexualmente transmissíveis, não olhando para outros problemas que podem surgir associados a essa prática. De facto, o trabalhador sexual corre diversos riscos, nomeadamente associados ao risco de sofrer violência por parte dos clientes, dos proxenetas, da comunidade em geral ou ainda das autoridades policiais, fazendo com que o mundo da prostituição ficasse bastante desprotegido. Quem da nossa sociedade olha para os trabalhadores do sexo dessa forma? Quem na sociedade se preocupa mais com a segurança dessas pessoas do que com os ditos danos que elas causam?
A legalização da prostituição surge como uma resposta para o vasto leque de situações problemáticas que afectam a vida da sociedade em geral e dos trabalhadores do sexo em particular. De facto, a legalização dessa prática representaria o culminar de uma luta pela conquista dos direitos civis e políticos dessas pessoas, e pela reinvidicação do direito de exercer a profissão em condições dignas, com a garantia de direitos e o cumprimento de deveres. Penso que seja necessário legalizar essa actividade não só pelo facto de um trabalho merecer salário, direitos e deveres, mas também pelo facto de a legalização constituir um elemento chave para a eliminação de barreiras colocadas no caminho dos trabalhadores do sexo. De facto, as dificuldades associadas à integração na comunidade, ao acesso a serviços de saúde, a apoios sociais ou ainda os actos de violência, a estigmatização e rejeição social desapareceriam ou pelos menos atenuar-se-iam com a legalização, tornando a vida dos trabalhadores sexuais menos penosa e mais harmoniosa e segura, sendo um direito ao qual todo e qualquer pessoa beneficia. Esse é o olhar que tenho sobre esse mundo, olhar o qual espero que venha a ser o da nossa sociedade.
Andréa Da Costa
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